Ana Pais Oliveira
Para onde se dirige o artista quando quer ser ouvido?
Um texto sobre pintura existe porque existe a pintura. Esta vem primeiro e pode existir sem o texto, embora não sem a reflexão e o pensamento. Pensar a pintura é parte integrante do fazer da pintura, algo implícito e necessário, por muito que se pense que não se pensou ou que esse fazer suplantou qualquer intenção de investigação. A usarmos a palavra investigação (talvez não seja a certa), um artista incorpora, inequivocamente, processos, estratégias e metodologias de investigação na sua rotina de trabalho, não no sentido de perscrutar ou verificar, mas no sentido de procura. Esta poderá ser a palavra certa. A diferença reside, então, na opção de se falar ou de se escrever antes, durante ou depois do ato de pintar. Querendo ou precisando de fazê-lo, que contextos escolhe o artista para se fazer ouvir? O que leva um artista que quer continuar a sê-lo a dirigir-se ou regressar à escola de arte? O papel de artista-investigador vai complementar, contaminar ou anular o de artista-pintor?
É através da vivência do atelier, da ocupação física desse espaço e do confronto urgente e insistente com a pintura que o artista produz o objeto que é conhecimento, sendo este consequência de um ciclo de ação, experimentação e subsequente transformação. Como afirmou Victor Burgin (2008), grande parte da rotina de trabalho de um artista é um trabalho de investigação. Assim, que variantes acarreta a produção artística envolvida pelo contexto académico? Poderá o artista criar uma melhor consciência do seu trabalho, um quase pensar melhor para que melhor afirme e comunique?
Um objeto artístico tem a capacidade ativa de constituir uma fonte sustentável de significado, valendo por si. No contexto académico, revelar paradigmas ou cenários da construção artística através de uma sistematização, procurar uma “base teórica para a intuição” (Emlyn Jones: 2008) ou fazer um uso instrumental da teoria podem constituir novos caminhos para a própria produção artística. A pintura pode necessitar de um projeto de investigação que lhe é correlacional e interdependente para se colocar num outro lugar, talvez de uma maior consciência de si mesma e do que lhe é exterior mas que também a enquadra e, por isso, a define. Mas importa saber se esta condição de artista que investiga ou procura para além dos seus mecanismos básicos de criação cria um novo “tipo” de artista. Na contaminação do artista-pintor com o artista-investigador, o que acontece ao ato criativo?
(6.1.2015)