Bernardo Pinto de Almeida
A impossibilidade de ensinar arte é a realidade que funda uma Escola de Arte
1. A investigação em pintura deve favorecer as fontes de compreensão do fenómeno artístico na sua múltipla complexidade
A grande vantagem de uma verdadeira Escola de Artes será sempre a de proporcionar um leque, tão aberto quanto possível, de formas de trabalhar e de entender a arte. Nas práticas como nas teóricas.
Nesse sentido, e idealmente, uma Escola de Arte deveria ter um número significativo de artistas muito diferentes entre si, quer no plano dos media utilizados (pintura, escultura, video, instalação, performance, fotografia, artes multi-media, artes decorativas, tecnologias de media tradicionais e o que mais houver) quer no modo de os usar.
Também assim no campo das teorias da arte, estética, crítica e história da arte. E que todos estabelecessem entre si redes de discussão e ensino.
Para entender que, idealmente também, deveria haver defensores convictos da figuração e da abstracção, de uma video-arte mais centrada no filme e outra na animação, da pintura e da escultura, da performance e da fotografia etc, enfim, de vários géneros e expressões, por forma a que os estudantes pudessem circular entre as várias ofertas e encontrar as soluções que realmente os integrassem.
2. A Escola de Arte é o lugar do ensino de técnicas e da aprendizagem da atitude
Uma vez que não é possível realmente ensinar arte, mas apenas técnicas e atitudes — será preciso lembrar aquele magnífico texto de Courbet sobre a impossibilidade de ensinar arte quando fechou o seu estúdio aos estudantes? — esta diversidade de projectos e de experiências permitirá ao “candidato a artista” não apenas familiarizar-se com as técnicas que lhe serão úteis como experimentar em atelier, seguido de crítica dos professores, como ainda de aprender com cada um dos seus “mestres” uma certa atitude diante da arte. O mesmo com os professores de teoria.
É salutar que os estudantes (e ainda mais os de arte) sintam a maior antipatia relativamente a alguns dos professores e a maior simpatia por outros, para que essa aprendizagem da atitude face à arte possa deveras ter lugar.
3. Sendo o contemporâneo um terreno incerto, deve deixar em aberto as escolhas para que cada um as possa fazer diante da diversidade.
A investigação em pintura é diferente na teoria e na prática. Esta diferença deverá ser sensível aos estudantes. Sobretudo na contemporaneidade, cujo horizonte epistemológico é o da incerteza.
Consegue-se isto ainda melhor com o recurso à figura do Professor visitante, endereçada aos artistas e aos teóricos da arte que estão activos e também aos estrangeiros que aparecem (nomeadamente por via de Serralves ou de outras instituições) ou eventualmente por convites.
Promover as visitas a museus, nacionais e internacionais é, neste objectivo, um outro passo decisivo. Tal como o é promover conferências e debates que permitam aos estudantes (e aos demais professores) confrontar-se com pensamentos diversos sobre a coisa da arte.
Por outro lado, a diversidade não chega por si só, embora seja essencial.
É necessário que essa diversidade e essa dialéctica promovam o debate crítico, que os professores mantenham as portas abertas aos demais e que se processem momentos fortes de discussão em que os estudantes participam e vêm criticado o seu trabalho.
4. A investigação em pintura é da ordem de um pensamento do de fora
É importante concentrar o ensino da teoria nas disciplinas da teoria e o das práticas nas disciplinas práticas.
Não porque os artistas não saibam teorizar, ao contrário, mas porque as suas teorias, uma vez que derivam da sua investigação concreta (ou não seriam artistas) devem ser apresentadas aos estudantes em ligação directa a práticas concretas (devem ser pois as teorias que nasceram das práticas e se confrontam com outras teorias).
Igualmente é importante libertar as teóricas para exercerem competentemente aquilo que Blanchot e depois Foucault chamaram “O pensamento do de fora”. Isto é, aquele pensamento que não está encerrado numa prática artística, tendo nascido dierectamente dela, mas que se forjou antes numa prática filosófica, histórica ou estética, que se organizou a partir da observação de várias práticas artísticas com as quais dialoga criticamente, para que desse modo se multipliquem as fontes de compreensão do fenómeno artístico na sua múltipla complexidade.
(4.1.2015)