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Isabel Sabino

No canto da formiga: notas sobre investigação e pintura

(com Paula Rego)

 

 

Venho, neste texto, romper excepcionalmente[1] alguma reserva relativa ao assunto da investigação em arte. Trata-se de registar anotações como contributo que desejo útil e defensor de uma maior afirmação do ponto de vista da criação artística e, em particular, pictórica, não obstante continue a perguntar-me, intimamente, se isso faz de facto o pensamento da arte “avançar mais um passo no silêncio”[2]. Para mais, além de veicular uma experiência e uma visão pessoal — e certamente dado o meu próprio perfil como pintora que associa alguma escrita às indagações da pintura — o modo como penso vale-se, amiúde, de lógicas um tanto pessoais. Assim, aqui, a alegoria atravessa (e liga) pintura e escrita, entre palavras que se alinham e figuras que, se a mão deixa suspensas, o olhar inventa no lugar delas.

O risco é meu, mas também de quem me ler, esperando lucidez.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 1 – Autor desconhecido, Alegoria da investigação. Iconologia de Cesare Ripa [c. 1593]. (Imagem digitalizada a partir da edição espanhola da Akal, Madrid, 1987, Tomo II, p. 536.)

 

 

É desse modo que, inseparável da fábula em que apenas tem voz para censurar a cigarra (e, essa sim, parece assumir uma vocação artística de pleno direito e sem olhar a consequências), mas também personagem do vestido que, segundo Cesare Ripa, alegoriza o seu terreno de ação, a formiga regressa aqui como figura que corporiza uma ideia de trabalho incansável, disciplinado e tão ciente dos seus objectivos que vai onde for preciso para alcançá-los.

 

De facto, já em tempos essa figura me tinha acompanhado a conversa. Não é novidade que, em inúmeras obras de Paula Rego, a representação de animais coexiste com a humana sob processos de antropomorfização que, associados a uma livre narrativa, cruzam na figuração o dispositivo surrealizante com o desconstrução da fábula e as próprias qualidades experimentais do pensamento inerente à prática pictórica.

Assim, aproveitei o facto de haver inúmeras formigas representadas na obra de Paula Rego e a coincidência com a alegoria da investigação — figura feminina em cujo vestido se passeiam formigas — para apresentar as fases principais da obra da artista e enaltecê-la como exemplo extraordinário na criação e no conhecimento artístico[3].

Agora (e de novo aceitando sem reservas que na escrita académica há lugar não apenas para a alegoria mas também para a fábula), algumas das formigas de Paula, sem pretensões de inventário, acompanham esta reflexão. Se a figura, em si, surge com diferentes papéis do ponto de vista iconográfico, variando quase tanto como a sua forma em cada pintura, gravura, desenho (em suma, em cada história), talvez ela possa ajudar a compreender melhor, ao longo deste texto, alguns aspetos caracterizadores da ideia de trabalho e, quiçá, de trabalho artístico. Aí, então, enraíza-se uma tentativa de identificação de traços e perfis do que creio mais paradigmático da investigação em arte: o que é fundador de um processo profundo de criação artística e, como tal, inseparável deste.

Mas, para isso, precisamos também da cigarra que, segundo diz a fábula, em vez de trabalhar, passa o tempo a cantar. Ora, uma vez que a história tem sido sempre contada do ponto de vista do bom senso e da moral vigente, numa aparente neutralidade que acaba por tomar o partido da formiga e das suas prioridades, acreditamos que faz falta perceber também as suas implicações do prisma habitualmente criticado, ou seja, aos olhos da cigarra.

Esta abordagem organiza-se, pois, em duas partes hipotéticas, correspondentes a dois pontos de vista que, ver-se-á no final, se complementam. Na primeira parte, neste texto, é a formiga — a sua perspectiva como personificação da ideia de trabalho — que prevalece. Numa segunda parte, produção futura, trata-se de dar voz à cigarra, tentando então perceber um ponto de vista que, partindo do conhecimento experiente da sua atividade, dê luz a uma compreensão mais global da sua natureza e lhe possa assegurar um enquadramento no espaço adequado.

 

Em justa homenagem ao canto insistente da cigarra, tomo como guia dos capítulos alguns versos de um fado.

Logo, é nos ecos da fábula e na dupla acepção da palavra canto - canto como voz ou vocação, mas também canto como lugar no qual se confina ou amplia, conquista ou defende um papel — que se funda o refrão para alinhamento de algumas notas sobre a relação entre arte (com destaque para pintura) e trabalho de investigação.

 

 

1. De patinhas no chão.

 

“Minuciosa formiga, não tem que se lhe diga leva a sua palhinha” — ecoam, na voz de Amália, as palavras de Alexandre O’Neill.

As posições parecem definidas na linhagem que o poeta segue, depois das narrativas orientais, Esopo, La Fontaine, Bocage entre nós, ou outros ainda[4]. A cada uma cabe, nas ilações desejadas, um papel conhecido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 2 – Paula Rego – Fragmento do painel esquerdo de O Jardim de Crivelli. 1990-1991. Acrílicas s/ tela. National Gallery. Londres.

 

Parece ser isso também que Paula Rego sugere, quando inscreve as duas figuras da cigarra e da formiga na base da fonte revestida a azulejos azuis representada n’O Jardim de Crivelli (1990-91), obra produzida para a ala Sainsbury da National Gallery. Ao centro, é bem visível uma formiga de saia e vassoura na mão a enfrentar a cigarra, esta abnegadamente curvada, dedilhando a guitarra (se as formigas cantassem, diríamos tratar-se de uma cena de fado: uma a fadista, a outra a acompanhar...).

Como se sabe, o trabalho de Paula para esses painéis culmina um vasto conjunto de obras que resulta do período (1989-90) em que é convidada como artista associada daquele museu. Note-se que o convite em si não significa apenas uma honra institucional à obra da artista. Reconhece-lhe também uma utilidade pública. Ao haver artistas contemporâneos no museu a interagir com as obras nele existentes, estas são colocadas no início de um processo criativo e não apenas na fase final deste (concepção museológica contemporânea que assume que a vocação mais tradicional do museu, ou seja, o ato de conservar e expor, não é suficiente). Assim, é como se, ao poderem ser retomadas em novos processos criativos, as obras sejam alvo de uma espécie de “reset”, para além do facto da atenção acrescida potenciar a sua divulgação, indubitavelmente vantajosa para o seu valor de mercado e para o poder do museu de atrair públicos. São consideradas, sobretudo, mais-valias assinaláveis ao nível da revitalização, na via da re-significação contemporânea dessas obras por artistas de hoje, com abertura e aprofundamento dos seus conteúdos de investigação, numa re-perspectivação semântica no pensamento criativo dos nossos dias e, desse modo, no pensamento sobre o nosso tempo.

 

Paula conta assim o início dessa sua experiência no museu:

 

(...) foram muito amáveis comigo, Collins Higgins deu bastante apoio. Levou-me para diante das pinturas. Eu não sabia quais escolher. Gostava da Batalha dos Lápitas e dos Centauros, do Piero di Cosimo. Era a única pintura que costumava ir ver, antes, essa imagem. Está a ver, eles estão a morder-se... e eu adorava essa imagem, mas... havia outras coisas que, que copiei, e então ele levou-me para diante do Crivelli, do Jardim de Crivelli. Disse-me: ‘Sabe, pode dizer-se como era a casa de Crivelli, como, do jardim... pode dizer-se como era por olhá-lo, porque tinha...’ tinha, ah, o jardim dele, pequenos nichos, e pequenas salas, onde... cada uma tinha um santo, e tinha as vidas dos santos como que lá dentro. Assim pensei: oh, aí está uma boa ideia. [5]

 

Instalada durante cerca de 18 meses num estúdio situado na cave do museu, basta então a Paula Rego subir aos pisos superiores, como uma “caçadora furtiva”. Ela mesma compara essas visitas a um processo de caça e o que descobre a um alimento: “Assim, posso trepar lá acima, apanhar as coisas e trazê-las comigo para a cave, onde posso comê-las. E o que trago aqui para baixo varia imenso, mas trago sempre alguma coisa aqui para a minha toca.”[6] Essa colheita de referências, “alimento” para olhos, razão e intuição, funde-se gradualmente com dados que guarda na memória consciente e inconsciente, estimulada pelo que acaba de ver. O imaginário age, então, por dentro do processo de dar visibilidade às formas.

 

(...) Decidi ‘vamos fazer algo não invasivo’. (...) ‘Vamos fingir que são azulejos portugueses, que são lindos - azuis e brancos - e discretos’.(...) E coloquei as histórias dos santos - das santas - das pinturas da National Gallery. Fiz os desenhos para isso em Portugal, de facto fiz a primeira pintura grande em Portugal. Depois cheguei à terceira pintura, meti-me num sarilho deplorável. Não conseguia fazê-la funcionar. (...) Comecei tudo de novo outra vez. Já não havia santos suficientes por ali, por isso decidi introduzir histórias mitológicas e até populares... e pequenas imagens de histórias populares com a mulher que está a debruçar o bebé sobre o lago, sobre aquela fonte.[7]

 

Para as obras que então realiza, Paula toma como referência fundamental a Legenda Áurea, de Jacobus de Voragine, livro escrito entre 1260 e 1275 que compila inúmeras fontes do pensamento religioso da Idade Média sobre a vida dos santos.

E, se é bastante certo que apropria a iconografia de diversas pinturas do museu que, no seu tempo próprio, tinham sido elaboradas com base naquele texto, também convém afirmar que a identificação das obras exatas que Paula apropria ou cita mais ou menos diretamente nem sempre é conclusiva.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 1 - Paula Rego –Tríptico O Jardim de Crivelli. 1990-1991. Acrílicas s/tela. Painel esquerdo e central: 190x240 cm e 190x260cm; painel direito: 190x240c. National Gallery. Londres.

 

É provável que Paula tenha estado atenta a pinturas cujo dispositivo espacial e narrativo de “quadro dentro de quadro” lhe permitisse induzir uma sobrecarga semântica e, nela, diversas relações por mise-en-abîme. Nota-se alguma coincidência, embora sob inversão bilateral, entre a estrutura de campo do 3º painel, no lado direito, e a Anunciação (ca 1486) de Carlo Crivelli. É a própria artista que confessa a influência de Mantegna nalguma relação da representação com a escultura clássica, nomeadamente na simulação da matéria dos baixos relevos, numa pintura que antecede a série e já explora os “tesouros” da National Gallery.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 2 - Paula Rego, fragmentos de O Jardim de Crivelli que representam figuras alusivas a santas. Da esquerda para a direita: Isabel, Maria e S. João Baptista; Maria Madalena; Maria; Marta.

 

Por outro lado, a sua Marta talvez se baseie na de Diego Velázquez em Cristo na Casa de Marta e Maria (ca 1618), e é possível que uma das suas figuras femininas refira a Santa Catarina de Alexandria (ca 1491-94) de Carlo Crivelli. Há também Madalena, Judite, Santa Cecília, Maria, Sansão e Dalila, São João Baptista. Mas não se trata só de religião.

 

A contenção da artista nestas obras e o fim a que se destinavam, parecem corresponder a uma atitude cautelosa face ao espiritual e às religiões. Nele inclui o seu fascínio pelas histórias da Bíblia e da vida dos Santos que lutaram e se deixaram empolgar e vitimizar pelo que acreditavam e que realizaram o maravilhoso - ou a magia - dos milagres, conforme expressou no painel “O Jardim de Crivelli” em 1990. Esse respeito pelo religioso não invalida o repositório de medos e terrores recebidos na catequese da sua infância, nem o sentimento anticlerical herdado de familiares, os quais confessou ter projectado, de modo subjectivo, nas pinturas já referidas sobre o tema do aborto e, mais objectivamente, na série de obras sobre o romance “O Crime do Padre Amaro”, em 1997.[8]

 

As figuras de Paula não correspondem, pois, apenas a santos e santos ou ícones determinados. O seu papel e os sentidos de que se tornam portadores são mais amplos do que qualquer história escrita ou por escrever, constituindo isso um dos desafios que a obra da artista continua a colocar.

Obra múltipla que contém outras, as pinturas finais de Paula na National Gallery retomam claramente algumas premissas da tradição pictórica, em especial a ilusão perspéctica, o claro-escuro e a representação de índole clássica da figura que, já em obras dos anos 80, como A Filha do Polícia (1987), lhe interessam. Para Ruth Rosengarten, trata-se de uma mudança essencial no seu processo, uma mudança do ponto de vista analítico:

 

Agora, em vez de desprezar os “pais” da Grande Tradição, Paula Rego negocia com eles, nas condições deles, uma posição legítima de linhagem. “Uma pessoa é um homem quando pinta”, disse a Maggie Gee. “O meu lado masculino passa para primeiro plano”. Na verdade, esta negociação  com a disciplina do paterno emerge agora na obra de Paula Rego, com a sua obediência a uma lei soberana (a lei da perspectiva, da representação mimética), pondo desse modo fim ao privilégio do materno e do informe.

O desenho de memória e as maquinações de uma imaginação prodigiosa dão agora lugar à observação directa do modelo. O espaço pictórico fluído – poder-se-ia dizer amniótico – é gradualmente abandonado e substituído por um ordenamento perspectivado: a composição regida pelo olhar fixo e magistral de um sujeito centralizado. A luminosidade da pintura alla prima e das aguadas rapidamente executadas dá lugar a uma superfície densamente trabalhada. Desenhar, pintar, pintar por cima, encontrar outra vez o contorno: esses procedimentos são combinados ao serviço de uma precisão perceptiva e expressiva, daquilo que a artista descreve como “acertar”.[9]

 

Contudo, a associação da dicotomia informe-geométrico à dualidade feminino-masculino, susceptível de nos reter em argumentação instável, acaba por não ser a ideia que Ruth Rosengarten consolida pois, mais recentemente, a autora retoma o mesmo texto com pequenas mas significativas alterações[10]. Em excerto idêntico, sublinha sobretudo, em coerência com a sua perspectiva entretanto apurada, a relação entre o feminismo algo edipiano de Paula Rego e os aspetos narrativos decorrentes da aproximação à tradição, fazendo menos questão na relação com o espaço pictórico propriamente dito.

Ora, na versão que citamos acima, não parece haver dúvidas de que “acertar” é, assim, a meta definida por Paula, e o texto mais recente de Rosengarten insiste também nesse esforço, referindo a necessidade desse “getting it right”[11] que distancia a artista de pintores como Tuymans, Elizabeth Peyton e Peter Doig, de pintura “lânguida, propositadamente desajeitada”[12].

Também convém notar que o processo de Paula Rego pressupõe uma metodologia que pouco tem de canónico em que, na maioria das vezes, não é possível identificar previamente todos os componentes - o que constitui uma das diferenças tradicionalmente constitutivas entre o processo de criação artística e o que conduz à descoberta científica. Nem tudo está ou tem que estar, à partida, totalmente definido. Pelo contrário, há sobretudo que criar condições para a descoberta.

“Acertar”, então, em quê?  Victor Willing, marido de Paula, refere em tempos uma espécie de coisa com a presença de um animal, uma coisa “pesada, incómoda”, que existe na “hora do dia daquele lugar, naquele clima”, e que a pintora persegue até conseguir captar, quebrar e expor num plano. Então, “a pintura torna-se a sua face”, diz ele[13].

Essa coisa, indefinível, talvez seja, de facto, formada ou atravessada pela história da origem de Paula, entre o país que parece retratar, preferencialmente, numa visão oblíqua e inquieta centrada no tempo da sua infância (ou, mais precisamente, no tempo do seu próprio pai).

Por isso Paula opera, principalmente, uma fusão das referências exteriores com as memórias pessoais guardadas, visando, no jogo com tensões acumuladas no inconsciente, a obtenção de “uma história”: ou seja, algo que possa revelar um possível enredo e funcionar como um novo elo para uma nova narrativa[14], mesmo que em regime de abertura e indefinição, sob a forma de uma imagem portadora de um pedaço possível de espaço-tempo, de cultura. No fundo, talvez seja isso parte do mistério da tal presença por aprisionar que Willing refere.

Por outro lado, se a concretização plástica e os resultados que, no final, a artista estabiliza, são indissociáveis da metodologia associada a tais fins, na qual se deve reiterar o lado intuitivo ou menos lógico.

 

O modo como Rego “acha” as imagens que são, como ela diz, “exactas” – as imagens que alcançam o “impensado já conhecido” – não se baseia numa leitura teórica de textos. Os seus métodos de trabalho e a sua aproximação à narrativa pictural são intuitivos, brotando de um encontro entre a intencionalidade e o imprevisível, daquilo que o acaso lhe lança no caminho: da mudança não intencional da posição de um modelo, de algo que ouviu, leu ou vislumbrou ocasionalmente.[15]

 

Mas, a par disso, há também uma racionalidade que surge a partir do modo prolífico como trabalha, quando investiga, entre diferentes soluções, a melhor possível: Uma procura interminável de variantes a uma forma, em busca da “melhor de 1001 tentativas”.[16]

Na pintura d’ O Jardim de Crivelli, os painéis predominantemente horizontais apresentam uma paleta disciplinada de azuis e ocres, quase monocromática. A ruptura das relações normais de escala das figuras maioritariamente femininas evidencia-se numa arquitetura que define espaços diversos, hierarquizando a representação num diálogo entre o real e o simulado. Por um lado, há certamente algo da “casa da Ericeira”, ou de um “jardim murado português à beira-mar, banhado por uma luz portuguesa, e povoado de figuras que identificamos com alguma incerteza como da esfera do religioso ou da história bíblica.”[17] Mas, por outro lado, o lugar aparenta-se a um convento feminino, a um conjunto de seus pátios e claustros típicos, mais do que, propriamente, um jardim. Nas paredes, nichos, colunas, nos frisos que se desenrolam, percebem-se os azulejos azuis e brancos e alguma escultura e pintura, em cujas figuras se sucedem mais histórias de santas, narrativas bíblicas e contos moralizadores. “Está tudo coberto, cheio de histórias, histórias depois de histórias depois de histórias.”[18] Também nestas paredes simuladas é possível identificar inúmeras alusões a obras da National Gallery, como já se disse.

E, de pés solidamente ancorados na terra (amarelada como numa praia solarenga ou na estrada principal do Feiticeiro de Oz), em plano onde as sombras se alongam, surgem, sólidas e pesadas, terrenas — diria o fado, “de patinhas no chão” — diversas figuras “reais”.  Com diferentes escalas, elas convivem com o resto, duplamente simulando no espaço o ambíguo estatuto da pintura: entre a leitora/contadora de histórias na extrema direita do painel direito e a fonte (que não é só da imaginação) do lado esquerdo do painel esquerdo.

É, assim, nessa fonte, que  se reclina uma criança ao colo protetor de uma mulher.

No friso que a decora, mesmo por baixo, uma formiga parece invectivar uma cigarra: lição de moral a reter, sem qualquer dúvida.

Com qual das duas se identifica mais a artista? Com a cigarra, personagem que, à primeira vista, encarna a vocação artística, ou com a formiga, que trabalha incessantemente?

Assim, se a nossa insistência no Jardim de Crivelli de Paula Rego tiver permitido alinhar alguns sintomas do que faz um artista quando atua, ou seja, quando cria — ou ainda, se nos colocarmos no terreno estrito da fábula, quando “canta” como a cigarra — estamos agora em posição para colocar a questão seguinte: e isso é trabalho?

 

 

2. Assim devera eu ser (a ideologia do trabalho)

 

Entretanto, diz o refrão, no mesmo fado de há pouco:

“Assim devera eu ser / De patinhas no chão / Formiguinha ao trabalho (...) Assim devera eu ser / E não esta cigarra/ Que se põe a cantar / e me deita a perder”.

Ora, na história indiciada no friso da base da fonte de Paula (ou de Crivelli), também os papéis parecem, pois, como já se disse, definidos. Ao confrontar a cigarra, a formiga invoca uma ideologia do trabalho na representação pictórica.  A própria fonte sobre a qual se inclina a criança apoiada pela mulher (mãe), quase tocando na superfície da água, pode ser entendida como origem e repositório, não necessariamente da imaginação, mas principalmente, tendo em conta as fábulas representadas na base, como locus original da moral, das ideias: fonte da ideologia.

Detenhamo-nos um pouco nos conteúdos dessa ideologia, concretamente no que se refere aos nossos dois insectos e a uma noção de trabalho que o par parece destilar.

 

Diz-nos a fábula, em primeiro lugar, que a formiga trabalha sem descanso. Talvez isso aconteça apenas porque a formiga é simplesmente obcecada pelo trabalho — diríamos nós, workaholic — e, como tal, viciada ou sem capacidade de “desligar”, no que pode ser motivada pela ganância, competitividade, noção do dever, necessidade de provar algo a si mesma (ou a alguém exterior), ou até pela falta de prazer e autoestima noutros contextos que não o do trabalho em si.

Mas, seja como for, ela mostra que é racional e previdente, pois não vive apenas o presente: antecipa o Inverno, período em que o alimento escasseia. Ou seja, garante a sobrevivência, sua e da comunidade. Para isso, organiza-se em grupo, integrando cada indivíduo numa sociedade organizada. De facto, na maioria das mais de 12 mil espécies de formigas prevalece uma hierarquia de classes ou castas associadas às funções desempenhadas: rainha (reprodução), obreiras (trabalho) e soldados (defesa).

Mas essa divisão e rentabilização do trabalho visando sobretudo a sobrevivência, quer pela reprodução, quer pela defesa, quer pelo alimento guardado por razões óbvias, adquire um dado adicional — a acumulação. Trata-se de previdência a título individual ou comunitário, ou possível excesso? Nesse caso, o que acontece com esse excesso, esse valor acumulado, esse capital?

Ainda neste quadro de pensamento, por outro lado, quando se declara que a formiga trabalha enquanto que a cigarra canta, isso não significa necessariamente que esta é mandriona, pois até permanece ocupada. Significa que a atividade da cigarra não é considerada trabalho.

 

O que se entende, então, por trabalho?

Apesar de evoluir na história com diferenças constitutivas, o conceito de trabalho mantém alguma identidade central que, suponho, será conveniente virmos a aprofundar posteriormente, a bem de uma mais adequada compreensão dos diversos perfis e componentes do trabalho artístico e, nesse terreno, da investigação que lhe é inerente. Para já, pois, ficam algumas notas, tópicos de nenhum modo exaustivos para um mapeamento futuro do conceito que cruza os tempos e atravessa facetas diversas da existência humana, entre a história das civilizações, mais ou menos atenta às condições materiais de vida, e os universos da ética e das religiões.

A própria etimologia da palavra trabalho — do latim tripalium ou trepalium, instrumento de tortura formado por três paus (tri+palus) com que se supliciam os escravos para que aumentem a produtividade ­— carrega desde logo uma denotação punitiva. De facto, a tradição bíblica preconiza o trabalho como castigo, sendo disso exemplo Adão que, ao ser expulso do Paraíso, é condenado a ter que labutar: “comerás o teu pão, no suor do teu rosto”. Gregos e latinos, entretanto, em coerência com a organização social, distinguem no trabalho uma tipologia criativa (dos artistas, dos poetas, das elites) e uma associada ao esforço físico, braçal ou penoso (dos escravos). De novo, as palavras são portadoras de sentidos divergentes: ergoni no grego e opus no latim aplicam-se ao trabalho criativo; e ponosi e labor designam, respectivamente em grego e latim, o trabalho mais prosaicamente braçal. Ora, num contexto em que a arte atravessa qualquer dessas noções e a filosofia emerge como crítica à sabedoria popular, Esopo[19] é voz de fábulas como a da cigarra e a formiga. Tido como escravo, mesmo que certamente de rara inteligência, é reconhecido como atento sobretudo à tradição oral do conto de histórias baseadas na sabedoria popular e, como tal, portadoras de um conjunto de normas de conduta sediadas nesse ponto de vista particular.

Depois, se Aristóteles valoriza a necessidade do ócio, não por direito à preguiça, mas porque o tempo livre é essencial à atividade política e filosófica, na Idade Média já o trabalho manual ou braçal, nomeadamente na agricultura, surge preconizado no combate ao ócio e como modo de elevação do espírito, na via de uma maior sintonia com o divino. Transcender o corpo pela via do seu sacrifício faz parte dessa linha de ideias. Então, o clero constitui um estrato social cuja influência aumenta desde a queda do império Romano e, em breve, o crescimento das cidades associa-se à emergência da burguesia e ao seu poder crescente, bem como do capitalismo não apenas assente na terra, mas num novo tipo de capital assente na troca de bens, o comércio.

Não é de estranhar, pois, que, no século XVII, Locke[20] insista na ideia liberal de que os homens são iguais e livres por natureza, independentemente de poderem ser naturalmente “bons” (segundo a visão cristã de Rousseau) ou “maus” (no protestantismo de Hobbes), e advogue o direito fundamental dos homens à propriedade, cujo fundamento, no quadro do contrato social, é o trabalho. La Fontaine[21] que, como sabemos, retoma Esopo e outras narrativas fabulosas orientais, é seu contemporâneo num espaço europeu que se aproxima progressivamente. Pela sua pena, a fábula toma a forma de poema.

No século seguinte, Smith[22], considerado o “pai” do liberalismo económico, defende o livre mercado que, pela “mão invisível” do “valor-trabalho” associado às normas da divisão deste, explicam a riqueza das nações. Entre nós, é Bocage[23] que, entre inúmeras traduções de obras clássicas, retoma a nossa fábula em português, dando continuidade ou talvez mesmo exacerbando nessa sua tradução a ideologia que estamos neste texto a tentar mapear sumariamente. De facto, quando traduz a frase inicial de La Fontaine “La cigale, ayant chanté / Tout l’éte” por “Tendo a cigarra em cantigas /Folgado todo o Verão” – o que pode justificar-se precariamente como conveniências da rima – ele sublinha, com o uso da palavra “Folgado”, o distanciamento do seu canto de qualquer forma de trabalho. À “esquerda” ou à “direita” (e não nos esqueçamos que Bocage é uma das vozes da Revolução Francesa no nosso país), persiste uma ideologia preconceituosa que, ao sobrevalorizar a dimensão economicamente útil do trabalho, desvaloriza o artístico.  

Esse entendimento, a nosso ver rudimentar, mas que se mantém dominante, acaba por revelar-se equívoco, também, com o advento da sociedade industrial no século XIX, quando Marx[24] interpreta o processo de produção, acumulação e circulação de capital, introduzindo o conceito de mais-valia.

 

O trabalho é, antes de mais, um processo entre homem e Natureza, um processo em que o homem medeia, regula e controla a sua troca material com a Natureza através da sua própria acção. Ele faz face à própria matéria da Natureza como um poder da Natureza. Ele põe em movimento as forças da Natureza que pertencem à sua corporalidade — braços e pernas, cabeça e mão — para se apropriar da matéria da Natureza numa forma utilizável para a sua própria vida. Ao actuar, por este movimento, sobre a Natureza fora dele e ao transformá-la transforma simultaneamente a sua própria natureza.”[25]

 

Marx partilha, pois, a noção hegeliana de trabalho como mediador entre a natureza e o homem. Mas, ao contrário de Hegel, para quem o trabalho é uma atividade do espírito que potencia a liberdade numa sociedade, a perspectiva marxista, de índole materialista, vê essa esfera do humano como colectiva na forma e dependente da sua objectivação na natureza, ou seja, mais diretamente associada à sua existência e necessidades materiais do que espirituais. A humanidade, de resto, tem carências impossíveis de satisfazer, pelo que o trabalho nesse sentido é inesgotável. Aqui, Weber[26] introduz uma perspectiva interessante na sua análise do desenvolvimento do capitalismo na Europa e nos EUA, que entende como marcado pela ética protestante, sobretudo calvinista. Essa lógica pressupõe uma ideia de trabalho abnegado conducente à salvação, privilegiando os valores da racionalização, da produtividade e da acumulação.

Em Marx, de novo, numa inclusão da ética na política, o conceito de trabalho não só não permite tréguas, como veta a introdução do prazer, a não ser que este resida na vontade, isto é, na decisão racional da missão em curso.

 

Para além do esforço dos órgãos que trabalham é requerida, para toda a duração do trabalho, a vontade conforme ao objectivo, que se exterioriza como atenção, e é tanto mais requerida quanto menos ele — pelo próprio conteúdo e o modo da sua execução — entusiasma o operário, quanto menos este desfrute daquele como jogo das suas próprias forças corporais e espirituais.[27]

 

Do mesmo modo, Marcuse[28], seguidor de Marx, considera que a grande tarefa humana é suprir as necessidades vitais, o que é insuperável. Logo, preconiza uma ideologia do trabalho centrada na construção do mundo objectivo, resultante da ação e controle sobre a natureza, e é essa atividade de situar o homem nesse contexto que deve constituir a sua autorrealização. Ora, ao consistir numa atividade económica, exclui as atividades artísticas, bem como as poéticas e até as de índole político que não estejam integradas numa cadeia de produção, que não caibam na economia política.

Será ainda Arendt[29], crítica do marxismo, a conceber o trabalho segundo três tipologias de atividades, devolvendo a possibilidade de um espaço credível ao trabalho de natureza mais intelectual: labor (sobrevivência do homem, nível biológico), trabalho (criação, técnica, fabricação, arte) e ação (realizada entre os homens, no plano discursivo).

Na maioria destes autores, contudo, é raro surgir um entendimento do lugar da arte (e, mais concretamente, da criação artística) como trabalho possível ou credível enquanto missão social e política a não ser que de modo direto, sob pragmatismo totalitário. E prevalece, de modo frequentemente tácito, uma “engenharia” ético-política que diminui a sua necessidade perante prioridades tomadas como urgentes — as da sobrevivência, do capital, e da mais valia.

 

Na fábula, não é difícil imaginar em que consiste o trabalho da formiga obreira:

A formiga procura — trabalho de pesquisa, de investigação (curiosamente, na observação científica deste insecto constata-se que, quando procura algo, a formiga evolui no terreno erraticamente; mas, quando encontra algo que lhe interessa, possui uma espécie de “GPS” natural constituído pela memória de imagens de referência, cheiros e uma espécie de contagem de passos, com que rapidamente mapeia o terreno, o que lhe permite regressar ao formigueiro pelo caminho mais curto, isto é, em linha recta).

Logo, pois, a formiga colhe — trabalho de extração. A formiga elabora — trabalho de transformação. E a formiga acumula — trabalho de distribuição.

Ao mesmo tempo, várias ordens de utilidades, empenhos e indústrias parecem envolvidos, incontestáveis na sua necessidade. Esse é, no fundo, o ponto de vista pragmático da formiga, segundo o qual o canto da cigarra (a criação artística) é um capricho, uma obsessão, uma inutilidade.

No canto da formiga, isto é no seu terreno, mas também segundo a sua voz possível (neste caso é mais pelos atos que as ideias perpassam, mudamente, pois as formigas não cantam), assim é visto o canto da cigarra.

E o que diz a cigarra? Em princípio, a cigarra passa o tempo a cantar e não diz nada. Talvez pense, como diz o tal fado, que “assim devera eu ser”, em especial ao chegar o Inverno.

Contudo, ainda na voz da cantora que se coloca no lugar dela no mesmo fado, ela acrescenta no final:

“Se não fora não querer!”.

 

 

Conclusão

 

Então, se no fado (e na fábula) a cigarra não quer ser como deveria, o que quer ela afinal?

Até aqui, a narrativa popular foi pretexto para alinhavarmos uma pequena revisão de alguns tópicos da ideologia algo preconceituosa que desvaloriza o artístico ou que simplesmente o diferencia negativamente. Parece-nos notório que, se por regra pouco se contesta habitualmente a utilidade da ciência e ainda menos da tecnologia, vendo-se com alguma naturalidade a importância da investigação nestes domínios, já o mesmo não acontece nos terrenos artísticos. E cremos que a deficiente compreensão da criação artística e do que ela envolve, défice certamente também resultante da mutação histórica e diversidade de perfis envolvidos na arte de finais do século XIX em diante, incluindo em pintura, marca uma dificuldade de definição, afirmação e conquista do que pode ser investigação em arte.

Daí que seja importante conhecer, aprofundar e divulgar melhor a natureza diversa e complexa da criação artística, entendendo-a a partir da sua dimensão de trabalho, isto é, do ponto de vista das atividades produtivas, mesmo que isso signifique reconfigurar o entendimento estrito que, normalmente, impera sobre elas. À boleia de Marx, para quem “a política, a arte, e a literatura não poderão ser estudadas fora da história do trabalho e da indústria”[30], e “a história da indústria e a existência objectiva a que chegou a indústria são o livro aberto das forças do ser humano”[31], será necessário compreender a criação artística, a sua natureza como atividade, como trabalho.

Por outras palavras, o canto da “cigarra”, hipótese nossa, é trabalho — e é-o em qualquer sociedade, seja ela mais apostada no poder económico de um estado forte, seja sem se perceber bem em que direção caminham os governos, seja ainda cavalgando no liberalismo dos grandes interesses globais. O reconheci-mento desse canto, dessa atividade, é que difere bastante. Sendo trabalho, é bem possível que os seus trabalhadores precisem de identificar-se, também, como tal. Ora isso comporta uma consciência de índole para-corporativa que o sinal fortemente individualista do nosso tempo não ajuda a construir e consolidar.

Para tal, duas questões guiam a nossa próxima tarefa que visa, em traços gerais, caracterizar genericamente uma possível ideologia da criação artística centrada no trabalho artístico, com base na qual se perceba melhor o lugar da investigação: Novamente no campo da metáfora, por um lado, como vê a cigarra a própria formiga, ou seja, o que mais está ainda por detrás da própria dicotomia que a fábula estabelece? Por outro lado, como pensa então a cigarra o seu próprio canto, ou seja, o seu trabalho?

A obra de Paula Rego acompanha, de novo, essa possível nova demanda.

Já percebemos o contexto da formiga que surge no Jardim de Crivelli, e que nos ajuda aqui a caracterizar dois modelos convencionais e atitudes perante o trabalho, personificando nas duas figuras da formiga e da cigarra o binómio típico: de um lado a tenacidade, a razão, o pragmatismo, a utilidade e, do outro, a obsessão, o egocentrismo, o irracional, o irrealismo, o desinteresse  e, até, a boémia.

 

Contudo, outras formigas de diferentes tipos aparecem também na obra da artista, umas óbvias, e outras dificilmente reconhecíveis. Como acontece frequentemente em muitas outras pinturas, desenhos e gravuras de Paula, o ícone inscreve-se num terreno que, no gume da navalha, instaura uma falha na sua compreensão linear e instala dúvidas irresolúveis no próprio sentido mais ou menos tradicional da narrativa. Tem sido privilégio da artista — e nosso como leitores das suas obras — usar os elementos da narrativa visual muito para além do modo ilustrativo, inesperadamente sobrepondo e adensando leituras e interpretações. Nas suas histórias e nos personagens destas, nada pode ser tomado como garantido.

Possivelmente, ninguém, para além dela, tem representado assim figuras de formigas, sob atributos inesperados, por vezes numa via próxima de uma certa identificação, de uma auto representação, como se Paula a si mesma se inscrevesse num conceito de trabalho que foge da sua categorização e definição ancestral. Cigarra ou formiga, afinal?

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

        

 

 

 

 

 

 

 

Figura 3 - Algumas formigas de Paula Rego. Em cima, da esquerda para a direita: Formiga com Espelho, 1978); Meia-Formiga-Meia-Leão, 1981; A borboleta escapa à formiga e ao cão, 1982. Em baixo, pela mesma ordem, detalhes de: Palha a arder, 1996; Estudo para Guerra, 2003; Guerra, 2003; La fête, 2003; Espantalho e Porco, 2006.

 

Desde cedo, muito ao seu modo, nada é certo. Os papéis podem ser trocados entre figuras, tal como confundidos na sua multi-referencialidade e hibridismo, de modo “verdadeiramente inquietante, terrificante mesmo”.[32] Ou podem ainda, simplesmente, ser relativizados, como acontece em 1978, na sua Formiga com Espelho, que parece advertir-nos sobre as estranhas lógicas da visualidade. Aí, quase irreconhecível num vocabulário de propensão abstratizante mas cujo título identifica, há uma formiga que parece abraçar-se a uma forma que, em verdes, nos remete para a própria cigarra. A cigarra é o espelho da formiga, compreendemos então. Ou seja, a formiga revê-se na cigarra.

É possível, assim, que exista uma visão do trabalho (em pintura e não só) susceptível de ser analisada na obra da artista, na sequência do que encetámos com O Jardim de Crivelli. Certo também é que poucos têm, como ela, de novo na linhagem e ao arrepio da fábula, metaforicamente, no corpo de uma cigarra, trabalhado como uma formiga.

Assim, ainda no eco da voz que canta, o tal fado pode recomeçar, depois do refrão: “Minuciosa formiga, não tem que se lhe diga leva a sua palhinha /Não tem que se lhe diga leva a sua palhinha / Asinha, asinha.”

Asinha?

É questão do verso seguinte.

 

 

Ainda: a tal lista bibliográfica atrás prometida

 

AAVV – La investigación en Bellas Artes: Tres aproximaciones a un debate. Granada: Grupo Editorial Universitario, 1998.

AAVV - La investigación en Bellas Artes, in REVISTA BELLAS ARTES da Universidad La Laguna, VOL.: 2 (2004). Todos os textos on-line em:

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SULLIVAN, Graeme - Art Practice as Research: Inquiry in the Visual Arts. London: Sage Publications, 2004.

 

(3.6.2015)

 

 

 

[1] Confesso que o tema da investigação em arte me tem deixado um pouco indiferente, senão mesmo enfastiada e, ao mesmo tempo, crente que outras pessoas mais motivadas o podem tomar como tarefa, levando-a a cabo certamente bem. Tenho acreditado que me cabe continuar a linha que, numa prática complementar de pintura e escrita, me mantém no campo da investigação possível, em vez da esfera diferida da reflexão sobre ela. No entanto, não posso deixar de admitir que o assunto não me tem sido tão alheio quanto gostaria. Como o tempo não basta para tudo e é chegada a idade de escolher, apenas me comprometo, no final deste texto, a oferecer a quem queira uma lista de referências bibliográficas, certamente não exaustiva, sobre o tema que, principalmente desde a década de 90, não tem cessado de crescer.

 

[2] Herberto Helder, excerto do seu poema Húmus, poema-montagem, 1966. Em Poesia Toda 2. Lisboa: Plátano Editora, 1973, p. 65.

 

[3] Elogio de Paula Rego proferido no doutoramento honoris causa da artista na Universidade de Lisboa, em 11 de fevereiro de 2011. 

 

[4] Também James Joyce, na sua última, difícil e genial obra Finnegans Wake, de 1939, reconta a história da cigarra e da formiga, tendo como personagens os gémeos Shem and Shaun.

 

[5] REGO, Paula - My comission for Crivelli’s Garden at the National Gallery. Tradução da autora, respeitando pausas e hesitações, de parte de uma longa entrevista que a página web indica ter tido como ouvinte Catherine Lampert, e a gravação ter ocorrido em agosto de 2007. http://www.webofstories.com/play/paula.rego/40 (Acesso 2015-06-01).

 

[6] Testemunho de Paula Rego no texto de Wiggins,  em: WIGGINS, Colin; GREER, Germaine; MacGregor, Neil (co-aut.). Histórias da National Gallery. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992, s/n página.

 

[7] REGO, Paula - My comission (...) fonte referida na nota 5.

 

[8] NADAL, Emília – A inquietude na obra de Paula Rego. Em Communio, nº 4, 2007. http://www.snpcultura.org/impressao_digital_paula_rego.html (Acesso 2015-05-18).

 

[9] ROSENGARTEN, Ruth – Corpos possuídos: amor e autoridade na obra de Paula Rego.  Catálogo da Exposição no Museu de Serralves comissariada por João Fernandes e Ruth Rosengarten. Porto: Museu de Serralves, 2004, p. 36.

 

[10] ROSENGARTEN, Ruth – Contrariar, amar, esmagar. A Família e o Estado Novo na obra de Paula Rego. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009, p.18,19. Também particulariza a referência a Maggie Gee, que remete para o artigo desta no Daily Telegraph, de 15 de fevereiro de 1999, intitulado “Painter of Shocking and Painful Truth” (p.19).

 

[11] Ibidem.

 

[12] Ibidem.

 

[13] “The time of day in that place, of that climate, has the presence of an animal. A heavy, uneasy, sun-baked thing which twitters and whines in one’s ear. One must tease and humiliate it, gouge it, pity it. The Picture becomes its face. If it can be described it can be forgiven for being what it is and made lovable even. Such creatures (fawning, violent, lethargic, elusive) rush about or Wander, lost, singly or even in packs. For Paula, painting is trapping them, breaking them, putting on brands and hanging them, groomed or pampered, on the wall.” - Excerto de Untitled, escrito por Victor Willing, para a exposição Six Painters, ICA, Londres, 1965. Em McEWEN, John – Paula Rego Behind the Scenes. London: Phaidon Press, 2008, p. 7.

 

[14] Segundo McEwen, Paula é um tanto avessa à palavra narrativa. Obra citada, p. 8.

 

[15] Rosengarten, Contrariar (...), obra citada, p. 82. A autora remete a expressão “impensado já conhecido” para Chistopher Bollas, The Shadow of the Object: The Unthought Known. Nova Iorque: Columbia University Press. A exploração do inconsciente pela via do trabalho artístico (pictórico) é, a nosso ver, uma faceta conveniente para uma segunda parte do nosso estudo.

 

[16] MELO, Alexandre – John Baldessari. O terceiro sentido ou a melhor de 1001 tentativas. Em “Aventuras no Mundo da Arte. Definições. Conjecturas. Autores. Lugares”. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003, p. 154-161.

 

[17] ARRUDA, Luísa Orey – A Representação da Figura Feminina em Paula Rego. Actas das Conferências Arte & Sociedade. Lisboa: Cieba/FBAUL, 2011, p. 159.

 

[18] REGO, Paula - My comission (...) fonte referida na nota 5.

 

[19] Esopo, entre os séculos VII e VI A.C.

 

[20] John Locke, 1632-1704.

 

[21] Jean de La Fontaine,1621-1695. As suas Fábulas Escolhidas datam de 1668-1694.

 

[22] Adam Smith, 1723-1790.

 

[23] Manuel Maria Barbosa l’Hedois du Bocage, 1765-1805.

 

[24] Karl Marx, 1818-1883.

 

[25] MARX, Karl – O Capital. Crítica da Economia Política. Livro Primeiro: O processo de produção do capital. Terceira Seção: A produção da mais-valia absoluta. Quinto capítulo. Processo de trabalho e processo de valorização. Versão on-line das Obras Escolhidas (em Três Tomos) de Karl Marx e Friedrich Engels (transcrição autorizada pelas Edições Avante) em https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/capital/livro1/cap05/01.htm (Acesso 2015-05-26).

 

[26] Max Weber, 1864-1920.

 

[27] Idem.

 

[28] Herbert Marcuse, 1898-1979.

 

[29] Hannah Arendt 1906-1975.

 

[30] MARX-ENGELS – Sobre literatura e arte. Lisboa: Editorial estampa, 1974, p. 50. (Trata-se de uma compilação de excertos de diversas obras. Para o texto citado refere como fonte inicial a obra de Karl Marx “Manuscritos Económicos e Filosóficos”, Oeuvres, tomo III, p. 121-122, Mega).

 

[31] Ibidem.

 

[32] Germaine Greer a propósito da sua Meia-formiga, meia-leão, de 1981.  GREER, Germaine - Paula Rego. Modern Painters, Volume 1, Number 3, Autumn 1988, p. 33.

 

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