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Joaquim Pinto Vieira

O Tema na Pintura

 

 

– O LUGAR DO TEMA

– O TEMA NA PINTURA

–  OS TEMAS TÊM SIDO CONSTANTES NA HISTÓRIA DA PINTURA?

–  QUANDO CONHECEMOS BEM UM TEMA ESTAMOS EM MELHORES CONDIÇÕES DE USUFRUIR A OBRA?

–  NUM TEMPO EM QUE QUEM ESCOLHE OS TEMAS QUE SÃO USADOS PELOS AUTORES SÃO OS PRÓPRIOS, O QUE LEVA A QUE

     A DIVERSIDADE DE TEMAS SEJA TÃO POBRE? OU REDUZIDA?

–  QUANDO O TEMA MARCA O CARÁTER DA OBRA HÁ VALORES ESTÉTICOS E EXPRESSIVOS QUE SÃO LIMITADOS?

–  QUANDO A ESTÉTICA CONDICIONA A CONFIGURAÇÃO HABITUAL DO TEMA AUMENTA A POTÊNCIA EXPRESSIVA?

–  PARTIR PARA A CRIAÇÃO E ELABORAÇÃO DA OBRA COM UM TEMA EM MENTE, OU COM UMA POÉTICA EXPRESSIVA  OU COM UM CONCEITO FUNDADOR OU GUIADOR DÁ ORIGEM A OBRAS TIPICAMENTE DIVERSAS?                     

–   IDEIAS BREVES SOBRE METODOLOGIAS.

 

 

 

Agora entendo como podes ter vacilado entre construir e conhecer construir                                    – Há que escolher entre ser um homem ou um inteleto.

Paul Valéry, Eupalinos ou l’architecte

 

O LUGAR DO TEMA

 

Estimo que na minha vida tenha visto mais de 1 milhão de imagens de pinturas e desenhos e, mais ainda, de fotografias. As primeiras imagens que recordo são de fotografias. As imagens que tenho das realidades que vivi confundem as memórias dos fatos, seres e coisas reais com as fotografias que tenho deles. Mas é essa a verdadeira realidade daquilo que chamamos imagem.  O mundo criado pela mente. As imagens dos meus pais que mais prevalecem são aquelas das fotografias. Mas as imagens de pinturas, vistas em fotografias ou vistas no real, são as mais permanentes. Foram aquelas, nos dois casos, em que vi mais vezes cada imagem e as que vi durante mais tempo. São as mais indeléveis. As imagens de pinturas que mais presença têm no meu imaginário são aquelas cujo Tema tem mais significados e relações analógicas mais complexas e incorporadas, isto é, são mais polissémicas. Ver uma pintura no original é uma experiência única. Tão única como ver qualquer coisa viva e não mediada. As modalidades artísticas mediadas não têm essa força. A urgência ou necessidade da pintura é assim imperativa. Não é substituível por nada. Temos futuro.

 

Vivemos um tempo, que já vai em mais de 50 anos, em que a comunicação tomou conta da arte. Noutras épocas esteve sempre presente mas os conteúdos eram ideologicamente muito fortes. A semiótica é hoje em termos linguísticos a doutrina ou a madrinha do obrar. As obras são signos, e se são metafóricas, são-no de signos. Um signo por outro. As imagens são elas mesmas, ou fazem de conta que não. Esta forma de ver o real e as obras liquida a semântica e reduz o significado a ordens direcionais ou como dizem incontornáveis. O Tema é assim para esta cultura algo fora do tempo, sem sentido e sem utilidade. Passar os olhos pela Vitamina P, por ex., é bem claro disso. Por isso eu sinto-me um estrando a vaguear neste mundo. Espero que não me vejam como um sinal, mas como um particular cheio de significado, algo impenetrável, equívoco, irrepetível, incompleto, irredutível a um logotipo!

Uma obra surge por um impulso estético associado à cor, à forma, ao gesto, à textura, ao espaço; surge pela assunção de uma ideia ou de conceitos a ela associados ou independentes dela, surge sem se saber porquê, ou surge pela presença ou solicitação de um tema objetivo ou de um tema subjetivo. Este é o lugar do Tema. O lugar em que a obra ganha dimensões que extravasam o seu corpo material, a sua morfologia e mesmo a sua sintaxe.

 

 

O TEMA NA PINTURA

 

Uma investigação sobre o TEMA EM PINTURA deverá procurar compreender o que se procura, embora se espere mais daquilo que se poderá encontrar. Sempre me intrigou a falta de bibliografia específica e de estudos assim considerados. Panofsky, Kenneth Clark, Baxandall, Gombrick, Symon Shama, entre outros, tratam nas suas obras de iconografia, de iconologia e de alguns temas clássicos. Mas nunca encontrei muito por onde andar. Espero por isso que me ajudem. Por outro lado, talvez por ingenuidade, encontro motivos para avançar na compreensão do assunto que pelos vistos não interessa muito aos outros. Tema vem do grego théma – proposição. Quererá dizer que Tema é uma proposta para a ação. É um assunto, ou uma matéria. Eu considero que o Tema em Pintura é um “contentor semântico”. Para tornar desde já claras certas noções, que espero vir a tratar e se puder explicar, devo dizer que considero que o Tema não tem a ver com a estética da obra. Tem a ver com as partes que conferem o significado. Esse espaço de definição do assunto ou da matéria não é monolítico e é também gradual. Isto é, o Tema paisagem é divisível em subtemas, como por ex., paisagem marítima, ou montanhosa, no sentido objetivo ou num sentido psicológico ou subjetivo, paisagens fantásticas ou paisagens alegres. Este tipo de variação ou de subdivisão existe em todos os assuntos ou temas.

 

Não é muito difícil computar os temas dominantes na pintura. As coletâneas que nos últimos anos têm sido editadas facilitam muito. As diversas edições das Mil Pinturas, e de outras formas editoriais antológicas, são um exemplo. E aí podemos confirmar aquilo que já sabíamos sem ter pensado nisso, que desde as antiguidades os temas são muito caraterizantes da cultura, dos valores, dos anseios, medos e crenças dos homens. É fascinante ver quais os temas da pintura no último quarto do séc. XIX na Europa, em França e nos USA. E por outro lado ver os temas na pintura das várias cidade de Itália no último quarto do séc. XVI, ou na pintura chinesa antiga.

 

O Tema foi quase sempre até à contemporaneidade uma proposição da sociedade através das suas instituições ou costumes. Desde o séc. XX o Tema é um capricho do artista, do individuo autor, embora possa satisfazer proposições vindas de outros. Esta mudança produziu muitas alterações na configuração temática das obras de pintura. Por outro lado parece ser evidente que o impressionismo como estética não poderia ter como Tema, a vida dos operários nas fábricas, Tema, por ex., tratado na mesma época pela pintura americana.  A consideração preliminar e sugestiva das obras, por ex., de Vermeer, Velázquez, Caravagio, El Greco, Degas, Braque, Delvaux, Picasso, Botero, Bacon, Balthus, Freud,  Maruki,  sobre o ponto de vista da presença mais marcante na nossa memória do Tema ou a Estética, poderemos concordar que, em Caravagio, Velázquez, Braque, Degas, Delvaux, Balthus, Maruki, o que carateriza a obra é o Tema, e em El Greco, Picasso, Botero e Bacon, o que carateriza é a estética e noutros as duas dimensões estão igualmente presentes; Vermeer, Picasso, Freud.

 

Mas as questões centrais da função ou da necessidade do Tema não estão na sua designação genérica, como, por ex., cabeça humana. Estão no escrutínio, na inventiva, na adoção, na interpretação da infinidade de variantes que há sobre a realidade ou o concreto, cabeça humana. Essas variantes são independentes da formulação estética e mais particularmente dos elementos, valores e processos plásticos. A concretização da obra não é uma ação clara, previsível, um todo, uma unidade fácil de se conseguir. É a mais fascinante, imprevisível, desordenada, desafiadora e estimulante condição criativa.

 

 

OS TEMAS TEM SIDO CONSTANTES NA HISTÓRIA DA PINTURA?

 

Há variação com base na geografia, na cultura, na religião e no estado civilizacional. Mas nada sei sobre o que justifica a presença de certos temas mais do que outros. Os temas dominantes na pintura são a virgem/vénus, a paisagem natural, as flores, a natureza morta, o retrato, o nu. A pintura religiosa é aquela que constitui ainda hoje o maior grupo temático. A pintura política, a pintura de costumes, a pintura histórica, sempre tiveram muitos cultores. Num mundo como este tão variado, tão díspar, tão desregulado, tão multinteressado, em que não se entendem bem os caminhos e os corredores do poder, não só na política, mas nos negócios e no sistema das artes que poder tem o Tema? Que lugar tem a busca desinteressada pela observação do que se apresenta como real e imaginário e daquilo que a mente desinteressada, mas sedenta de saber e de envolvimento poético e cognitivo e expressivo, procura? A pintura e a arte em geral conheceu neste período de cem anos a mais inesperada, radical e insólita conceção do que se pode tornar objeto artístico e também condição artística. Neste período é possível nas mais diferentes áreas geográficas e culturais, encontrar obras que tratam temas que nunca foram tratados em pintura. É daqui que teremos que partir.

 

 

QUANDO CONHECEMOS BEM UM TEMA ESTAMOS EM MELHORES CONDIÇÕES DE REALIZAR E USUFRUIR A OBRA?

 

O que é conhecer bem um Tema como autor? Como se processa esse conhecimento essa sabedoria? Pelo estudo de outras obras similares? Pelo estudo das realidades naturais ou sociais? Pela introspeção? Como pode o estudo de temas na pintura melhorar a compreensão das obras; como pode o estudo e a observação de obras de um certo tema ajudar a compreender outros temas? Como pode o estudo de um Tema ajudar a compreender o aparecimento ou o abandono de certos conceitos em certos autores? Como pode o estudo do Tema compreender a existência de estratégias ou táticas no processo criativo dos autores? A compreensão daquilo que poderíamos designar como corpo antropológico e cultural de um Tema ajuda-nos a melhor entrar numa obra?

 

Haverá temas difíceis e temas fáceis? Se isto for verdade quem são os artistas que se disporão a tratar coisas difíceis se podem ter êxito tratando coisas fáceis. E o público em artes visuais procura obras fáceis ou difíceis? A dificuldade e o sofrimento são as condições da qualidade. Todo o desportista o sabe, todo o ator o sabe, todo o músico o sabe, etc.. Mas não concluo que isso seja assim nas artes plásticas nestes tempos. É evidente que a maioria das obras não surgem da dificuldade, nem do sofrimento, nem do esforço continuado e tenso. Há tempos li que um dos promotores e financiadores das novas Torres Gémeas, em NY, vai propor a colocação de grandes obras de pintura nos amplos espaços públicos dos edifícios. As obras, defende, devem ser abstratas para não chocarem as sensibilidades. Quer dizer, tema fraco, neutro, indiferente, pouco mais do que formas e cores suaves.

 

O Tema, ou assunto ou matéria é uma necessidade de arrumação da nossa relação com o mundo. Todas as disciplinas usam essa possibilidade de arrumar. Arrumar é necessidade de pôr ordem na extrema diversidade do que nos cerca. É uma exigência da consciência – coisa que andamos hoje todos a tentar perceber o que seja – mas que não é exigência do inconsciente. A vida e a natureza não são temáticas. Exploram possibilidades mais do que imposições ou limites, ou modelos, ou enquadramentos. Mas por outro lado, se desenhar fizer parte da vida, eu posso “desenhar sem pensar”, mas se penso no que desenhar defrontarei a necessidade e as exigências do Tema.

 

 

NUM TEMPO EM QUE QUEM ESCOLHE OS TEMAS QUE SÃO USADOS PELOS AUTORES SÃO OS PRÓPRIOS, O QUE LEVA A QUE A DIVERSIDADE DE TEMAS SEJA TÃO POBRE? OU REDUZIDA?

 

Há temas que são redutores concetuais, ou aniquiladores estéticos? Há quem pense que hoje há imagens a mais. Não partilho nem dessa sensação, nem desse receio, nem dessa constatação. Normalmente as pessoas dizem imagem quando se referem a fotografias, magazines, TV, cinema, telemóveis, NET. Mas não vêm mais do que aquilo que vêm quando se deslocam nas ruas e centros comerciais das cidades. Vêm mal e por instantes. Quem vive numa aldeia o que vê num dia, num certo mês, é muito diverso desde que acorda até que adormece. É, porém, muito menos do que verá se ligar a TV, ou abrir o computador. Mas o mundo, essa realidade natural e virtual decorrente da existência do planeta, é tão vasto que estará perto do infinito, mas ainda distante. Mas ver uma imagem não é entrar nela. Nunca me assustou a ideia de que não possa conhecer todas as imagens da terra e do éter, nem que as possa vir a conhecer. Gombrich considerava, e eu o acompanho, que o que nos pode levar a compreender, a percecionar, a observar profundamente uma imagem é ter tido contato muitas vezes em tempos diferentes com essa imagem, mas mais ainda, com imagens dessa natureza e ainda com imagens de natureza muito diversa. O nosso cérebro quando não aguenta dá ordem para os olhos fecharem já que a mente está sempre disposta a mais ver. Ver imagens não tem nada com ler um texto, aceder ao som, saber pela linguagem. Mas exige também conhecimentos e saberes, se essa imagem é artística. Para se ver, enfim, é preciso conhecer e a mente delira descobrir, conhecer e compreender. E desenhar e pintar, é acima de tudo, viver durante muito tempo o aparecimento e a fixação de uma imagem-objeto, da qual vamos formando inúmeras imagens mentais.

 

A minha proposta de investigação funda-se na constatação de que há pouco estudado e dito sobre a matéria, tanto quanto sou capaz de saber e, por outro lado, na intuição de que algo se esconderá nessa senda. Há inúmeros temas que são pouco tratados e há alguns que são muito frequentes. O Tema foi desde a Idade Média a razão para se pintar uma imagem. Esse tema interessava a doutrina e a ação da Igreja. Mas numa sociedade em que quem decide é o livre arbítrio podemos pensar que o livre arbítrio é redutor. Aquilo que daria medida de liberdade de juízo e escolha é uma retomada obsessiva por certos temas ou matérias? Em que media estamos livres ao escolher um Tema e o que é que determina a sua escolha?

 

As questões que tenho colocado e colocarei a seguir são a matéria ou o quadro do que interessa saber, estudar, ordenar, refletir. Neste texto elas são só o início e o levantamento de terrenos que podem vir a ser considerados ao lado de outros que podemos propor. O que me pode levar a escolher um Tema? A história da pintura que é o maior repositório diacrónico de imagens da história do homem, não só artísticas, tem temas dominantes? E como os podemos interpretar e compreender?  Depois do advento da fotografia surgiram outras zonas temáticas? Hoje a pintura que conseguimos conhecer revela alterações substanciais no tratamento do Tema?

 

QUANDO O TEMA MARCA O CARÁTER DA OBRA HÁ VALORES ESTÉTICOS E EXPRESSIVOS QUE SÃO LIMITADOS?

QUANDO A ESTÉTIC A CONDICIONA A CONFIGURAÇÃO HABITUAL DO TEMA AUMENTA A POTÊNCIA EXPRESSIVA?

 

Para certas pessoas Tema e Conceito são a mesma coisa. Há Temas que se confundem com conceito. O Tema da violência pode ser tratado através de uma imagem de um ser a agredir outro ou duma imagem de um ciclone, ou de imagens de guerra, de entre milhares delas. O Tema do natal pode ser tratado pelo nascimento de Jesus e pode ser tratado através de imagens de um nascimento qualquer. Há temas abstratos ou subjetivos e temas concretos e objetivos. A imagem do quadrado como Tema é objetivo embora seja um abstração. O milagre é uma realidade subjetiva mas pode ser tratado como imagem de forma objetiva. Esta é um dos âmbitos da matéria cujo estudo e reflexão nos pode alargar a sua compreensão.

 

Vale a pena falar em bons temas ou temas fortes? Em certas disciplinas artísticas por vezes ouvimos essas expressões. Já foi um tema forte a Virgem e o Menino. Na China, desde o séc. X pelo menos, o tema da montanha com cascatas era considerado o tema maior. Ainda hoje é um tema de pintura a que seduz milhares de artistas locais. Os Temas podem ser agrupados por diversos critérios e a sua importância varia muito conforme os valores dominantes na sociedade. Hoje, nesta “sociedade do vazio”, a pertinência de muitos temas é recusada ou ignorada. Por outro lado em certas disciplinas artísticas ou em zonas transdisciplinares  cultivam-se temáticas com forte perfil social, psicológico, moral que na pintura raramente vemos tratar. Haverá sempre razões para isso embora algumas possam ser atávicas. Há autores em que a obra é marcada pelo Tema, por ex., Braque, Van Gogh, noutros em que o Tema é submerso, sujeito a um tratamento formal muito particular e afastado dos valores formais do real (cor, anatomia, proporções).  O cubismo de Braque e de Picasso diferenciam-se talvez mais na base temática do que na estética.

 

A pergunta simples é: quem quer pintar necessita de considerar um Tema como ponto de partida, como enquadramento operativo e concetual? A outra pergunta simples é: quem vê as obras dá qualquer importância ao Tema da obra? Só lhe interessam naturezas mortas, ou batalhas, ou cenas eróticas. Ou por outro lado só o “prende” a condição estética e formal da obra? Na música popular, por ex., o Tema muito dominante, é o sentimento amoroso entre dois seres humanos. O estilo musical é muito diverso. Nas correntes expressionistas, surrealistas e simbolistas podemos encontrar os temas mais invulgares. No realismo os temas são muito recorrentes. Como podemos interpretar estas tendências e o que servem elas?  A figuração ou a representação não dependem forçosamente da força ou importância do tema. Há casos em que não há tema mas modelos de associação icónica. Com a abstração passa-se o contrário. Pode haver Tema, por ex. triângulos e círculos, mas é uma limitação formal e não portadora de significado. Há temas que potenciam valores estéticos, valores simbólicos, sentimentais, míticos, religiosos. Quem se interessa por religião tenderá a interessar-se como autor ou como observador por obras que tratem esses temas passando para segundo plano a natureza estética da obra. Também o contrário se verifica. O que lhe interessa é a corrente estética e o Tema é secundário. Seja a cabeça de um cavalo, ou um pôr-do-sol.

 

 

PARTIR PARA A CRIAÇÃO E ELABORAÇÃO DA OBRA COMO UM TEMA EM MENTE, OU COM UMA POÉTICA EXPRESSIVA, OU COM UM CONCEITO FUNDADOR OU GUIADOR DÁ ORIGEM A OBRAS TIPICAMENTE DIVERSAS?

 

Outra questão central é a de saber como para certos autores o início do processo de criação da imagem, ou das imagens do objeto, é determinado por uma imagem espontânea, por uma imagem que responde a um Tema, por ex., família, ou a um conceito, por ex., amargura ou melancolia. Muita da temática do património da pintura surge da ilustração de passagens dos textos religiosos, dos clássicos da literatura romana e grega, da renascença ou de um autor literário qualquer que fixa um personagem, uma cena ou uma integração entre personagens. Se consideramos o Tema no âmbito do autor devemos pensar o que se passa na sua mente quando inicia um desenho, uma pintura, a partir de um Tema, de um conceito, de uma pulsão gráfica ou de nada. No âmbito do observador devemos pensar sobre o que entenderá, o que vê na obra que remete para a presença do Tema e as características, as forças, as energias na produção da obra que ele veicula ou convoca. Quando pensamos tratar o Tema da natureza morta com seres marinhos estamos em zonas diferentes se o subtema é sobre frutas ou, como em Morandi, objetos de vidro e cerâmica. O tema é sempre uma restrição e é para isso que ele existe. Para nos focar num âmbito, numa zona, num tipo, num caráter. Mas todas estas restrições dependem de poéticas próprias ao autor, de sensorialidades, de conceitos e de moralidades.

 

Quando tratamos a angústia adolescente, que é um Tema subjetivo, (Munch), estão presentes o Tema figuras jovens mas marcado por uma densidade psicológica ou moral. Os temas dividem-se em subtemas, como em Jacob Lawrence (1917-2000). Pode ser a Emigração ou os Emigrantes o que dá nome à série de pinturas dos anos 20, nos USA. Mas os temas de cada pintura são muito diversos, a refeição, os transportes públicos, a lavagem da roupa, etc..

 

Os temas são a base do quadro semântico da obra. O Tema pode ser tratado em termos de significado como Denotação e como Conotação, como na semântica literária, dando origem à dinâmica concetual das polissemias. Há algum tempo dediquei alguma atenção e escrita a tentar compreender como esta formulação analítica da linguagem escrita poderia ser adotada no estudo das imagens. O texto está publicado no meu Blog , pintovieiradesenho, na página Textos no Blog e tem o título, O significado nas imagens e no desenho. Os temas na Denotação são evidências objetivas, sejam ilustração ou sejam retrato – no sentido genérico. Na Conotação são alegorias ou metáforas. Estes temas são muito raros em toda a história da pintura até ao séc. XIX. O simbolismo, e depois o surrealismo e as novas figurações contemporâneas transformaram essa realidade.

 

Sou dos que pensam que há progresso na pintura. Se há em arte não sei porque não sei bem o que seja, embora o admita. Em pintura é para mim indiscutível. Sabemos mais sobre pintura do que sabiam os egípcios, os gregos, os góticos, os chineses, os renascentistas, os impressionistas, etc.. Sabemos porque nos apropriamos dos seus conhecimentos e de muito do seu saber, embora não de todo. Isto é, alargamos a concetualização da pintura, das suas técnicas, modalidades e funções. A complexidade da pintura é muito diversa. A pintura a tinta-da-china do Séc. XII é algo que muitos de nós hoje faz sem grande dificuldade. Pintar como Poussin é muito diferente e sabemos que há por aí quem o saiba fazer, etc.. Isto não tem nada a ver com o corpo da obra. Esse não é comparável ou assimilável pois é o resultado duma circunstância, duma possibilidade irrepetível e essencial. Quer dizer, também, eu que olho hoje para a pintura dos Fréres Limbourg, de Caravagio, Delacroix ou Monet ignoro o que sentiram e o que realmente os preocupava, mas fico detentor de experiência e de vivência de níveis pictóricos que eles tiveram e de noutros que ignoravam. A isto eu chamo progresso.

 

 

IDEIAS BREVES SOBRE METODOLOGIAS

 

Os títulos que apresento como interrogações correspondem aos aspetos que fui capaz de elencar sobre este âmbito de reflexão sobre a pintura. Não é uma ordenação sistemática ou fechada. Foi feita como ia sendo pensada. Tudo o que digo à sua volta corresponde ao senso comum ou a ideias convencionais. Mas o que me interessa é avançar para aspetos que agora não sou capaz de enunciar e muito menos vislumbrar.

 

Não será aconselhável, desejável, possível para muitos artistas analisarem as suas obras como corpo. Eu bem o sei. A epígrafe de Valéry a isso se refere. Analisar as obras dos outros é mais fácil ou agradável. Para os estudiosos não artistas a questão não se coloca. Porém nos dois casos sou defensor de uma metodologia que passa pelos seguintes passos. Imersão, abdução, indução, reconhecimento, alheamento. A ordem não é impositiva. Concluo com Paul Valéry fazendo uma adaptação do que escreveu em 1938: ” A história da pintura não deveria ser a história dos autores e dos acidentes da sua carreira e das suas obras mas sim a história do Espírito como produtor e consumidor de pintura”.

 

JOAQUIMPINTOVIEIRA290515

 

 

 

 

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