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Isabel Sabino

 

 

 

No canto da formiga: notas sobre investigação e pintura

 

Inseparável da fábula em que apenas tem voz para censurar a cigarra que, essa sim, assume uma vocação artística de pleno direito, mas também personagem do vestido que, segundo Cesare Ripa, alegoriza o seu terreno de ação, a formiga regressa aqui como figura que corporiza uma ideia de trabalho incansável, disciplinado e tão ciente dos seus objectivos que vai onde for preciso para alcançá-los.

Contudo, hoje é precisamente na definição das finalidades almejadas - e talvez menos no génio ou fado e sob fins certamente maiores do que a prosaica acumulação de alimento para o Inverno – que se esbate a linha distintiva entre o poder obreiro de uma e o génio criador de outra. Na convencional e simplista dicotomia persiste, afinal, uma ideologia ambígua e confusa, ou devedora da ideia que centra no valor do trabalho o paradigma da produtividade e utilidade social (algo a que, em tempos, se chamou capitalismo), ou apologista da máxima entrega ao bem da comunidade (muitas vezes sob pragmatismo totalitarista evidente ou encapotado).

Ora, quando os objectivos se aprofundam e ampliam, redefinindo e reavaliando metas e funções de modo a contemplar o desejo e o sonho na equação profunda dos destinos colectivo e/ou individual, e quando a ideologia social se torna capaz de integrar o reflexo, a requalificação permanente e valorização da necessidade do mais intrinsecamente humano, ficamos confrontados com certa dificuldade em separar ambas as figuras da fábula, confundidos que ficam os seus fins e papéis, ou seja, aquilo que as identificava naquele par de opostos.

Num primeiro momento, trata-se pois de desconstruir nestas duas figuras paradigmáticas as qualidades que caracterizam dois modelos convencionais de atividade ou “labor”: de um lado a tenacidade, a razão, o pragmatismo, a utilidade e, do outro, a obsessão, o egocentrismo, o irracional, o irrealismo, o desinteresse  e, até, a boémia.

Nos ecos da fábula e na dupla acepção da palavra canto - canto como voz ou vocação, e canto como lugar no qual se confina ou amplia, conquista ou defende um papel – funda-se um refrão para alinhamento de algumas notas sobre a relação entre arte (com destaque para pintura) e investigação.

Mas a questão não passa por questionar-se se terá a formiga vocação (e consentimento) para cantar como deseja também, cansada do papel de obreira, ou se, por outro lado, será a cigarra capaz de disciplinar a voz como parece conveniente, quanto mais não seja para sobreviver às intempéries.

Trata-se, sobretudo, de estabelecer o nó central de um lugar possível, amplo, aberto e de limites maleáveis, para construção e reforço de uma identidade ou de um perfil de investigação em pintura.

Isso implica pensar na hipótese de um método que, assente na experiência e nalguma informação colhida num quadro de referências crescente, permita potenciar o aprofundamento e desenvolvimento ao mais alto nível de uma vocação centrada na criação artística. E, num momento final, urge identificar algumas condições para uma estratégia de afirmação da investigação em arte no quadro geral do(s) sistema(s) de investigação.

De novo no eco da metáfora, em suma, como tecer o vestido onde passeiam as criaturas que trabalham como cigarras e cantam como formigas?

(30.1.2015)

CV
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